Uma carta pra quem não vai ler.

"Pai, pode crer, eu vou bem, eu vou indo. Tô tentando, vivendo e pedindo com loucura pra você renascer. Pai, eu não faço questão de ser tudo, só não quero e não vou ficar mudo pra falar de amor pra você. Pai, senta aqui que o jantar tá na mesa. Fala um pouco, tua voz tá tão presa. Nos ensina esse jogo da vida, onde a vida só paga pra ver. Pai, me perdoa essa insegurança. É que eu não sou mais aquela criança que, um dia morrendo de medo, nos teus braços você fez segredo, nos teus passos você foi mais eu. Pai, eu cresci, e não houve outro jeito, quero só recostar no teu peito pra pedir pra você ir lá em casa, e brincar de vovô com o meu filho no tapete da sala de estar. Pai, você foi meu herói, meu bandido..."

E hoje eu luto e peço pra que as lembranças que eu tenho de você nunca se percam. Eu sinto muita, mas muita falta do seu amor, do seu carinho, do seu cuidado. Hoje em dia, eu bagunço meu próprio cabelo carinhosamente, na falta das suas mãos pesadas a fazê-lo. Sinto saudade da sua voz tão forte. Queria ter novamente o som alegre e pesado da sua canção, enquanto você fazia o café, calçava os sapatos, tomava banho, pintava a casa. Queria mais uma vez ouvir você dizer: "Papai ama, muito mesmo!" Queria ver seu sorriso, ouvir sua gargalhada tão espontânea. Passei meu primeiro dia dos pais sem você, não escrevi cartinha dessa vez., e me arrependi por não ter escrito no ano passado. Passei meu primeiro dia dos namorados sem namorado, porque você não tava aqui pra me dar um presente. Seus jargões ficaram, hoje em dia eu uso alguns. Peguei pra mim aquele casaco seu que você ficava todo bobo quando eu usava. De vez em quando eu vou lá na sua gavetinha olhar seu óculos, suas canetas pra corrigir provas. Pai, muitas mangas apodrecem no quintal, porque você não tá mais aqui pra catar, e nem pra mandar uma de nós. a Adriana nunca mais fez torta de limão. "Minha mãe" comprou laranjas essa semana, e agora eu quero fazer um suco pra você, eu prometo que não vai sair azedo. Já vai ser a segunda vez que passaremos as festas de fim de ano sem você, e não vai ter bolo gelado; no Ano Novo a gente não vai subir no terraço pra ver os fogos, você nem vai vir me abraçar, me beijar pra desejar feliz ano novo e muito sucesso. Falando em sucesso, eu fiz provas de vestibular esse ano, e você não foi me levar, não me perguntou como eu me saí. Eu fiz o Enem lá perto da casa da Gisele, você podia ter ido lá visitá-la e à Luisa enquanto eu fazia a prova, e depois a gente voltava juntos pra casa, você me dava a mão no ônibus, e eu dormiria no seu colo. Pai, eu sonhei com você tantas vezes, e acordava feliz por ter te visto, mas triste por não ter sido real. Em alguns sonhos você tava vivo, em outros, você tava morto, e ainda em outros, tava vivo e morto ao mesmo tempo. Pai, eu dancei e cantei na igreja e você não foi ver. A Zama casou, a Natália também casou, e você não foi lá ver. Eu fiz uma nova amiga, você adoraria conhecê-la, eu tenho certeza. Poxa vida, você adoraria ver Talise e Jasmine trabalhando e ajudando a minha mãe. Você adoraria ver o nosso esforço em nos manter unidas. Você amaria saber que profissão eu escolhi pra mim, você teria tanto orgulho...
 Ah pai, tantas coisas que eu quero te dizer... Isso que você não vai ler é só um pouquinho da falta que você me faz. Um ano já passou desde que você foi embora, e tudo que eu consigo fazer em relação a você é sentir saudade, saudade, e mais saudade. Mas eu vou ficar bem, pai, eu prometo. Eu tô aprendendo, por mais doloroso que seja, a viver sem você.